domingo, 26 de fevereiro de 2017

O que você quer de mim?

Minhas mãos suam, meu estômago revira, meu corpo treme. As ânsias são incontáveis, na mesma proporção que caixas de traumas são abertas e espalhadas pela minha cabeça. Eu perco a noção do tempo, das horas, das dores, das tonturas e a única coisa que se mantém firme na minha cabeça é a vontade que tudo isso acabe, independente da forma, da solução, do que fazer.
Eu repito a pergunta, ofegante:

- O que você...Quer de mim?

Se ela fosse uma pessoa, ela estaria na minha frente, rindo, satisfeita. Objetivo alcançado. De novo.

- O que você quiser me dar.

Desespero, raiva, descontrole, corpo aos prantos.

- Eu nunca quis te dar nada.
- Mas você deu.
- Eu não d...
- Seu sono, sua fome, seu sexo, sua tranquilidade, seu auto-controle, suas paixões, seus sonhos, sua saúde. Me fala, o que mais você pode me dar?

Eu não tenho mais o que entregar. Me tornei um poço de medo e frustração dentro de um corpo vazio e um falso amor próprio. E em nenhum momento eu me lembro de ter entregado tudo isso, mas eu não tenho mais o controle de nada disso. Sinto que eu não me controlo mais.

- Como eu cheguei aqui?
- O que você quer saber?
- Quero saber como eu perdi o controle disso tudo, quero saber quando eu deixei de ser isso tudo, de ter isso tudo.

Eu crio a sua imagem dentro da minha cabeça. Eu te vejo como uma mulher egoísta, arrogante, egocêntrica e poderosa. Você entra no meu quarto e senta de frente para mim, na minha cama. Se eu me esforçasse um pouco mais, eu poderia me ver totalmente destruída, cabelo bagunçado, 50 quilos, unhas roídas, calça de moletom rasgada e viciada em remédios que eu não consegui identificar.

- Você foi desistindo, aos poucos, de tudo.
- Como...?
- Eu sempre existi dentro de você, eu só era menor. Eu aparecia antes de viagens e quando você ficava doente, você lembra? No final das contas, você sempre ganhava. No final das contas, eu sempre voltava para um lugar menor dentro de você. Mas, um dia, você simplesmente me deixou pegar um lugar maior, e disse que tudo bem. Você me alimentava, me fez ser grande e importante. Você me fez assim. Eu sou sua criação.
- Não é tão simples...

Você ri. Seu riso exala uma arrogância que eu senti que eu já tive, mas não sei mais onde está.

- Sim, é simples. E eu só fico menor se você quiser.
- Eu quero que você fique menor!
- Não sou um gênio da lâmpada que te concede desejos, gata. Você não consegue mais me diminuir. Eu sou muito maior que você, muito mais forte que você. Você se convenceu que precisa de mim e só você pode se convencer do contrário, apesar de não conseguir.
- Como você sabe que eu não consigo?
- E você consegue?

Arrogante.

- Eu posso conseguir...
- Eu cresci por 8 anos dentro de você e você realmente acha que em meses eu vou voltar para uma caixa no canto da sala? - Você ri e pisca para mim - Você não vive mais, você respira e se satisfaz gastando seu tempo em histórias que você não escreve mais. Eu sei o que você pensa sobre seu relacionamento, mesmo amando seu noivo. Eu sei das suas culpas, eu sei dos seus medos, dos seus bloqueios, dos seus pensamentos. Eu sei de tudo, principalmente quando você quer desistir.
- Eu não quero...
- Sim, você quer. Pode ser questão de tempo, mas você quer. Você quer que passe, independente da forma, lembra?

Eu não sei onde eu perdi o controle, mas a ansiedade não para de ganhar.

- Eu não sou só você...
- Hoje, sim. Eu sou tudo em você.
- Eu sou mais do que você...
- Será?
- Eu preciso de tempo...
- Pegue o tempo que quiser que eu espero aqui. Você sempre volta.

Peguei uma blusa, um MP4 e uma colher de esperança. É tudo que sobrou nesse momento e, mesmo assim, ela não se mexeu. Continua me olhando com olhar arrogante, sabendo que talvez tenha razão. Talvez. Saí do quarto sem olhar para trás. Não sei quanto tempo vai durar essa colher de esperança, não sei se ela é real, não sei das próximas recaídas, não sei dos próximos dias. Eu só quero que passe, que mude, que melhore.


Porque eu não quero mais voltar.

*

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